Mario Quintana

"Todos estes que ai estão atravacando meu caminho,eles passarão,eu passarinho"

Recordo ainda...E nada mais me importa...Aqueles dias de uma luz tão mansa.Que me deixavam, sempre,de lembrança,Algum brinquedo novo à minha porta...(...)Eu quero meus brinquedos novamente!Sou um pobre menino...acreditai...Que envelheceu, um dia, de repente!... (Mario Quintana)

Há na vida tanta coisa,Tanta coisa e um só olhar! Toda tristeza dos rios E não poderem parar... (Mário Quintana)

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...Fechá-las, de repente,Os dedos como pétalas carnívoras ! Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento Como tecem as teias as aranhas.A que mundo Pertenço ?No mundo há pedras, baobás, panteras,Águas cantarolantes, o vento ventando E no alto as nuvens improvisando sem cessar.Mas nada, disso tudo, diz: "existo".Porque apenas existem...Enquanto isto,O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses E, cheios de esperança e medo,Oficiamos rituais, inventamos Palavras mágicas,Fazemos Poemas, pobres poemas Que o vento Mistura, confunde e dispersa no ar...Nem na estrela do céu nem na estrela do mar Foi este o fim da Criação ! Mas, então,Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?Quem faz - em mim - esta interrogação ? (Mario Quintana)

Denso, mas transparente Como uma lágrima... Quem me dera Um poema assim! Mas... Este rascar da pena! Esse Ringir das articulações... Não ouves?! Ai do poema Que assim escreve a mão infiel Enquanto - em silêncio a pobre alma Pacientemente espera. (Mário Quintana)


Não desças os degraus do sonhoPara não despertar os monstros.Não subas aos sótãos - ondeOs deuses, por trás das suas máscaras,Ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica.O mistério está é na tua vida!E é um sonho louco este nosso mundo... (Mario Quintana)

Dia de chuva. É para a gente rasgar cartas antigas...Folhear lentamente um livro de poemas...Não escrever nenhum... (Mario Quintana)


Eu ouço música como quem apanha chuva:resignadoe tristede saber que existe um mundoDo Outro Mundo...Eu ouço música como quem está mortoe sente jáum profundo desconfortode me verem ainda nesse mundo de cá...Perdoai,maestros,meu estranho ar!Eu ouço música como um anjo doenteque não pode voar. (Mário Quintana)


Na volta da escada,Na volta escura da escada.O Anjo disse o meu nome.E o meu nome varou de lado a lado o meu peito.E vinha um rumor distante de vozes clamando clamando...Deixa-me!Que tenho a ver com as tuas mãos perdidas?Deixa-me sozinho com os meus pássaros...com os meus caminhos...com as minhas nuvens...(Mario Quintana)

Olho o mapa da cidadeComo quem examinasse A anatomia de um corpo...(É nem que fosse o meu corpo!)Sinto uma dor infinitaDas ruas de Porto Alegre Onde jamais passarei...Há tanta esquina esquisita,Tanta nuança de paredes,Há tanta moça bonita Nas ruas que não andei(E há uma rua encantada Que nem em sonhos sonhei...)Quando eu for, um dia desses,Poeira ou folha levada No vento da madrugada,Serei um pouco do nadaInvisível, deliciosoQue faz com que o teu ar Pareça mais um olhar,Suave mistério amoroso,Cidade de meu andar(Deste já tão longo andar!)E talvez de meu repouso...Mário Quintana

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas, teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos... É preciso que a tua ausência trescale sutilmente, no ar, a trevo machucado, a folhas de alecrim desde há muito guardadas não se sabe por quem nalgum móvel antigo...Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela e respirar-te, azul e luminosa, no ar.É preciso a saudade para eu te sentir como sinto-em mim- a presença misteriosa da vida...Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista que nunca te pareces com o teu retrato...E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te! (Mário Quintana)


"Deficiente" é aquele que não consegue modificar a sua vida, aceitando a imposição de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono de seu destino."Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui."Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores."Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir o desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês."Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia."Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda."Diabético" é quem não consegue ser doce."Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer."A amizade é um amor que nunca morre". Mario Quintana

Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidasem seus fúteis problemas tão perdidas que até parecem mais uns necrológios...Porque o tempo é uma invenção da morte:não o conhece a vida - a verdadeira -em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira.Inteira, sim, porque essa vida eterna somente por si mesma é dividida:não cabe, a cada qual, uma porção.E os Anjos entreolham-se espantados quando alguém - ao voltar a si da vida -acaso lhes indaga que horas são...Mario Quintana

Eu escrevi um poema triste E belo, apenas da sua tristeza.Não vem de ti essa tristeza Mas das mudanças do Tempo,Que ora nos traz esperanças Ora nos dá incerteza...Nem importa, ao velho Tempo,Que sejas fiel ou infiel...Eu fico, junto à correnteza,Olhando as horas tão breves...E das cartas que me escrevesFaço barcos de papel! Mario Quintana

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,não falaria em Deus nem no Pecado- muito menos no Anjo Rebeladoe os encantos das suas seduções,não citaria santos e profetas:nada das suas celestiais promessasou das suas terríveis maldições...Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,Rezaria seus versos, os mais belos,desses que desde a infância me embalarame quem me dera que alguns fossem meus!Porque a poesia purifica a alma... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -um belo poema sempre leva a Deus! Mário Quintana

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já cor de terra - como são belas as tuas mãos pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos... Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,essa beleza que se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta, uma luz parece vir de dentro delas... Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo, como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento? Ah! Como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos! E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas... essa chama de vida - que transcende a própria vida e que os Anjos, um dia, chamarão de alma. Mario Quintana

Quem nunca quis morrer. Não sabe o que é viver Não sabe que viver é abrir uma janela E pássaros pássaros sairão por ela E hipocampos fosforescentes Medusas translúcidas Radiadas Estrelas-do-mar... Ah,Viver é sair de repente Do fundo do mar E voar...e voar...cada vez para mais alto Como depois de se morrer! Mário Quintana

Era um caminho que de tão velho, minha filha,já nem mais sabia aonde ia...Era um caminho velhinho,perdido...Não havia traços de passos no dia em que por acaso o descobri:pedras e luzes iam cobrindo tudo.O caminho agonizava, morria sozinho...Eu vi...Porque são os passos que fazem os caminhos!
Mário Quintana

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos colhidos no mais íntimo de mim...Suas palavras seriam as mais simples do mundo, porém não sei que luz as iluminaria que terias de fechar teus olhos para as ouvir...Sim! Uma luz que viria de dentro delas,como essa que acende inesperadas coresnas lanternas chinesas de papel! Trago-te palavras, apenas... e que estão escritasdo lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-tee este poema vai morrendo, ardente e puro, ao ventoda Poesia...comouma pobre lanterna que incendiou! Mario Quintana

Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão.Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mão se partem.E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... (Mario Quintana)

Eu gosto de fazer poemas De um único verso Até mesmo de uma única palavra Como quando escrevo o teu nome.No meio da página.E fico pensando mais ou menos em ti Porque penso, também, em tantas coisas...Em ninhos, não sei por que, vazios,Em meio a uma estrada deserta;Penso em súbitos cometasanunciadores do novo mundo;E imagine!...Penso em meus primeiros exercícios de álgebra.Eu que tanto, tanto os odiava!Eu que naquele tempo vivia dopando-meEm cores, dores, amores...Ah... prometo àqueles meus professores desiludidosQue na próxima vida serei um grande matemáticoPorque a matemática é o único sentimento sem dor.Prometo, prometo sim...Estou mentindo?!Estou!Na verdade, é tão bom morrer de amor.E continuar vivendo! Mário Quintana


Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esseQue me olha e é tão mais velho do que eu?Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...Meu Deus, Meu Deus...PareceMeu velho pai - que já morreu!Como pude ficarmos assim?Nosso olhar - duro - interroga:"O que fizeste de mim?!"Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,Lentamente, ruga a ruga...Que importa? Eu sou, ainda,Aquele mesmo menino teimoso de sempreE os teus planos enfim lá se foram por terra.Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!-Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...( Mário Quintana )